Como estimular simultaneamente a memorização e a compreensão de conhecimentos?
Abordagens baseadas na estratégia “treino por recuperação”
O que é o “treino por recuperação” (do inglês
retrieval practice)?
O
treino por recuperação é uma estratégia simples de aprendizagem que explora a recuperação intencional de conteúdos memorizados como forma de estimular a sua compreensão e memorização a longo prazo. Recuperar deliberadamente informações armazenadas na memória obriga a “expor” conhecimentos e, assim, avaliar e refletir melhor sobre os mesmos.
O “treino por recuperação” é uma abordagem de simples implementação
Utiliza-se “treino por recuperação", por exemplo, quando, no lugar de expor ou rever uma matéria, um docente questiona os seus estudantes com o intuito destes recordarem uma resposta a uma questão colocada previamente. Igualmente, quando um estudante por si próprio, opta por responder a perguntas em vez de realizar leituras sucessivas ou sublinhar bibliografia ou apontamentos. Muito simplesmente, colocar mais frequentemente perguntas e procurar responder-lhes é uma forma simples de usar a abordagem.
Que resultados esperar das estratégias de treino por recuperação?
Os resultados das estratégias baseadas no treino por recuperação têm sido muito estudados e incluem:
a memorização e mobilização a mais longo prazo de conhecimentos. A investigação na área da memória confirmou que o facto de aprendermos algo com rapidez e facilidade não garante memorização a médio prazo (1). O uso de estratégias baseadas em ”treino por recuperação” em ambientes de sala de aula resulta em mais memorização e melhor compreensão (2). Assim, sempre que transmitimos conhecimentos aos estudantes, privilegiamos uma aprendizagem de curto prazo. Por isso, verificamos frequentemente que estudantes tendem a esquecer conhecimentos que aparentaram dominar em momentos anteriores (designadamente nos momentos de avaliação sumativa).
uma melhor compreensão e transferência de conhecimentos pelos estudantes. O exercício deliberado da recuperação de conhecimentos induz uma melhor compreensão dos materiais e uma maior capacidade de transferir esse mesmo conhecimento a novas situações, novas questões ou contextos relacionados (3).
a melhoria das estratégias de estudo autónomo dos estudantes. Alguns alunos estudam muito para os testes e não se saem bem, geralmente porque estudaram o que já sabiam - não estudaram o que não sabiam. Ao se envolverem no "treino por recuperação”, os alunos são capazes de avaliar o que sabem e o que não sabem e, então, tomar melhores decisões de estudo.
Destina-se a que contexto de aprendizagem?
O princípio fundamental da estratégia aplica-se a virtualmente qualquer contexto de ensino ou aprendizagem, em qualquer área do conhecimento. A estratégia pode ser programada pelos professores para fazer parte de atividades letivas de qualquer natureza e ainda por parte dos estudantes, autonomamente, nos seus métodos de estudo.
Como integrar a estratégia em ambiente de sala de aula (presencial ou
online)?
Use perguntas para ensinar. O
treino por recuperação,
não sendo uma metodologia de ensino, pode ser integrado em várias abordagens ao ensino em ambiente de sala de aula. Para tal, é fundamental que as atividades letivas incluam questões e que a atividade consiga gerar nos estudantes a necessidade de produzir uma resposta. É fundamental prever o tempo necessário na planificação da atividade, selecionar as questões a colocar e definir o processo para captar as respostas. Deve ser previsto o tempo necessário para fornecer
feedback sobre as respostas colhidas.
No que concerne às abordagens a utilizar em sala de aula, tem ao seu dispor várias metodologias ativas, apresentadas no Boletim
IDEAdigital #33. Pode optar por estratégias que recorrem a questões colocadas antes de uma atividade (por exemplo,
Just in time teaching) ou no final de uma atividade (por exemplo, o
one minute paper), preservando assim na íntegra o tempo de contato da atividade letiva para outros fins.
Relativamente ao registo e partilha das respostas, poderá recorrer a sistemas de resposta automática, conforme descrito no boletim
IDEAdigital #27.
Como integrar estas estratégias em atividades letivas?
Procure envolver todos os alunos na atividade e não apenas os estudantes mais participativos;
Evite recorrer a esta estratégia para fins de avaliação sumativa e classificação de desempenhos dos estudantes;
Programe as atividades de forma a proporcionar aos estudantes feedback sobre as suas respostas;
Recorra à estratégia várias vezes em atividades espaçadas no tempo, em vez de selecionar uma atividade específica e nela concentrar vários momentos de treino por recuperação. O espaçamento faz com que os alunos esqueçam parte do material, e o esforço implícito à recuperação de conhecimento prévio beneficia a sua aprendizagem a longo prazo.
Para saber mais
Recomenda-se o site e os recursos associados ao portal “Retrieval Practice”:
https://www.retrievalpractice.org. Pode aceder a guias e a livros para apoiar o uso da estratégia no ensino. Também poderá encontrar literatura e recursos multimédia. A equipa que desenvolve o site inclui reputados investigadores na área. Segundo os autores, “Ao aumentar o acesso a estratégias rigorosas testadas cientificamente, os educadores terão o poder de transformar o ensino e a aprendizagem em todo o mundo.”
Bibliografia
Roediger III, H. L., Agarwal, P. K., McDaniel, M. A., & McDermott, K. B. (2011). Test-enhanced learning in the classroom: long-term improvements from quizzing. Journal of Experimental Psychology: Applied, 17(4), 382.
Moreira, B. F. T., Pinto, T. S. S., Starling, D. S. V., & Jaeger, A. (2019, February). Retrieval practice in classroom settings: a review of applied research. In Frontiers in Education (Vol. 4, p. 5). Frontiers.
McDaniel, M. A., Thomas, R. C., Agarwal, P. K., McDermott, K. B., & Roediger, H. L. (2013). Quizzing in middle‐school science: Successful transfer performance on classroom exams. Applied Cognitive Psychology, 27(3), 360-372.
Autoria: Manuel João Costa, Pedro Albuquerque
Coordenação: Centro IDEA-UMinho (idea@reitoria.uminho.pt)
Edição: Flávia Vieira, Rui Oliveira, Gabriel Hornink
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